domingo, 20 de junho de 2010

DE VOLTA À TERRA DOS VIVOS

Tino, meu amor, é imperioso voltar
Voltar à terra dos vivos onde tu não estás
Voltar ao hospital onde ainda estás
Voltar a ver a tua casa que não é mais minha porque tudo o que era meu foi contigo
Voltar ao cemitério de Tourais, à campa nº 80, ao terreno que adquiri para que seja eternamente teu
Como eu sou eternamente tua
Levo na travessia, por sobre os mares, terras, desertos, florestas e montanhas, as tuas fotos, os teus escritos
Vão e voltam comigo, é tudo o que tenho
Peregrina, levo a terra africana colada aos meus pés e o coração cheio de gente que fica à minha espera
No adeus que me fazem falta o nosso querido amigo, que fica tão doente...
Não o posso carregar como não te pude carregar a ti para a terra dos vivos porque a vida e a morte não nos pertencem
Eu estava bem na terra dos mortos, mais próxima de ti e de Deus, porque esses mortos ressuscitarão como tu e é imperioso que ressuscitem para a vida
Levo no meu coração, que tem a forma do continente africano, todos os que amo, de longe ou de perto, do meu país, da minha família, os meus amigos de cá e de lá
Levo os meus alunos que me pedem «mãe, volta»
Não precisariam, porque o meu corpo suspenso no ar aterrará e sairá numa outra terra ou em terras que irão dar sempre ao mesmo lugar porque a terra é redonda
Deixo, deixo o sol da África que aqueceu o meu corpo frio desde a tua partida
O sol que queimava a minha ferida cada vez que ela sangrava
É apenas um intervalo, para voltar à terra dos vivos onde não estás...
Se chegar, voltarei pelo mesmo caminho ao fim do mundo onde Deus fala mais alto ou onde eu o ouço melhor nos silêncios quentes e pesados das noites africanas
Ninguém sabe mas o mundo é igual em toda a parte
A diferença é tu estares ou não
Deixaste-me tanta coisa para fazer que mal tenho tempo de escrever tudo
Dizes, nos teus escritos, que o teu sonho era escrever um livro
Não sabes que deixaste um escrito
Eu sou apenas as tuas mãos e os teus pés, os teus olhos, o teu coração, a tua carne
O meu corpo o teu corpo
Porque o teu corpo se fundiu com o meu
Dois seres, um só corpo
Um corpo solitário na travessia do ar
Mas, serás tu um desses anjos que me conduzem pela mão?