sábado, 2 de janeiro de 2010

HISTÓRIA DE UM HOMEM


«Eras um génio», dizia um teu amigo em África. Eras um artista, pois pintaste, esculpiste e escreveste. Mas eras, sobretudo, um homem excepcional pela capacidade de te dares aos outros.
Começaste por mim quando nos conhecemos, há 25 anos em Ilhavo. Eras poeta e assim expressaste o teu amor no meu livro de curso:

Benvinda

Amada mulher
Minha flor
Meu encanto
Meu existir

És a pessoa
Que tanto desejamos ser
És vida que outros gostariam de viver
És fonte de águas puras
Onde me banho
És o sol
Que vem à tarde beijar meu corpo nu

Se eu fosse Deus
Cercar-te-ia de mil venturas,
E os outros olhar-te-iam
Límpida como um rio de águas cristalinas.

Nem tudo foi um mar de rosas mas esse amor foi constante e nunca falhou. Era quase perfeito. Foste o meu companheiro de todos os instantes e partilhámos o mesmo amor por África. Foi aqui que mais te deste aos outros, aos que pouco possuem...por isso, muitas vezes tiraste a camisa...
Não sabias o impacto que as tuas acções tinham sobre os outros, não sabias como eras tão amado, estimado, admirado e conhecido.
Como disse um outro amigo teu «não eras formatado». Dizias-te livre e eras, livre para amar sem preconceitos nem normas. Ias onde ninguém queria ir, aos bairros pobres de África onde estão os doentes e os marginalizados, os meninos pobres, rotos e malnutridos, alguns dos quais corriam atrás do carro quando paravas nos semáforos chamando-te «Tonton Lélé» (forma carinhosa de chamar os mais velhos).
Eras um homem invulgar, viveste o que os outros não têm coragem de imaginar...
Na doença foste exemplar, abençoaste outros, preocupaste-te comigo. Não querias ver-me sofrer e a certa altura me disseste, entre lágrimas, que não era essa a vida que sonhavas para mim, mas eu considerei como nada o meu sofrimento perante o teu...adivinharias tu o meu sofrimento futuro, nesta vida que perdeu todo o sentido e onde não encontro razão para viver sem ti? Além disso, a minha existência parece-me uma traição e a tua ausência uma injustiça...Tu que sempre estiveste ao meu lado, não podes agora partilhar o tempo que me resta. Tive que assistir sozinha ao teu funeral como se de o meu se tratasse, enterrar o teu corpo como se fosse o meu.
Todos os instantes te recordo porque estavas sempre presente e as lembranças são tão belas quanto dolorosas. A minha existência sem ti raia os limites da loucura. Durante 10 anos me conduziste a sítios onde nunca fui sozinha e que agora tenho que percorrer só. Quando me esquecia das chaves dentro do carro vinhas sempre em meu auxílio e agora tenho que chamar amigos...
Quando me afligia dizias-me «deixa isso»... se pudesses seria isso que me dirias agora. Mas, eu não consigo deixar...

Benvinda




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